Quando pela primeira vez, estando então em Portugal, ouvi ler O Guardador de Rebanhos tive a maior e mais perfeita sensação da minha vida. Rolou-se-me de sobre o coração, de repente, todo o peso da nossa civilização postiça, todo o peso do cristianismo avito cuja sombra jaz sobre a nossa alma. Respirei outra vez a grandeza, a força e a singela perfeição das grandes emoções primitivas, que vinham da natureza sem datar das almas. Abriram-se-me de par em par, visualmente, as portas em que Amon começa o dia. Senti-me diferente, como um mortal chamado ao convívio de Deus. E na verdade dos Deuses, que não de Caeiro, era aquela obra espantosa. Nunca poderei esquecer essas horas de imprevista iniciação em que vi, em toda a sua frescura e certeza, a Natureza natural frente a frente.
Ricardo Reis, Prosa
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