10 novembro, 2008

Palavras lidas # 61

Até se avistar o Pico da Caldeirinha, a paisagem organiza-se em rectângulos de pastagens extensas e de inclinação variável. O mar fica cada vez mais longe e perdemos a charneira que o liga à costa, lá em baixo. O Pico, do outro lado do canal, tinha o seu chapéu de nuvens posto e espreitava desconfiado. A determinada altura ascendi a uma plataforma atapetada de verde viçoso, com pequenas lagoas aqui e além, escondidas em crateras que impunham à estrada as curvas.
Na base do Pico da Esperança, uma lápide ostenta os nomes das vítimas de um acidente de aviação em 1999. Não havia ninguém com quem partilhar a beleza do espaço e o fantasma da tragédia. Recordei como fora tão distante e virtual quando acompanhara a partir de um sofá, na sala de estar de um apartamento em Lisboa; ouvira então os relatos dos bombeiros, incapazes de orientar o salvamento no inóspito território. A lápide homenageia somente por estar, pela lembrança perene do nome escrito; esse nome que leva gente a tanto, mas que é tão volátil como eu dizer que estava no ponto mais alto do dragão de rocha de Raul Brandão, chamado São Jorge, e responderem-me que São Jorge não é nome de dragão mas de quem o mata. (...)

(Pág. 143)

2 comentários:

Atlantico Ocidental disse...

Fiquei sem palavras. Lindo!

Atlantico Central disse...

Sobretudo porque a descrição não ultrapassa o cenário que temos na nossa cabeça ;)