10 setembro, 2016

Coisas bonitas #1


Faz amanhã um mês que o meu pai deixou de viver, mas faz hoje um mês que os médicos nos disseram que não podiam fazer mais nada. Ou seja, faz hoje um mês que deixámos de acreditar que as melhoras seriam possíveis e que começámos a lidar com a realidade da nossa vida sem o pai.

Durante seis semanas, mas especialmente nas últimas quatro dessas seis, vimos a saúde dele deteriorar-se. Para mim, o mais difícil foi conciliar a esperança de melhoras com a percepção de que se elas não viessem rapidamente, a situação não poderia prolongar-se muito mais tempo.

Saber que ele teve uma vida realizada e feliz, que não tinha inimizades ou zangas por resolver e que não sofreu muito tempo, ajuda a aceitar os factos. Quando a saúde do doente está de tal forma debilitada que não há solução, há que pensar no que é melhor para o doente e não ser egoísta.

Apesar disso, não posso deixar de me surpreender com a dificuldade de superar a tristeza que há um mês trago comigo. Nada que me impeça de funcionar com normalidade no dia a dia, lidando com alunos, colegas, ou assistentes (talvez porque já nada na minha vida quotidiana dependesse do meu pai... algo em que nunca tinha pensado antes). Ainda assim, os pensamentos tristes aparecem.

Tenho ao longo do último mês recebido muitas mensagens de carinho (e abraços prolongados quando não há palavras) de amigos, alguns deles partilhando memórias de quando passaram pela mesma situação e cujas palavras me confortam. Uma amiga pouco mais velha que perdeu o pai aos 16 anos, que me faz pensar quão mais difícil terá sido para ela perder o pai quando ainda precisava tanto dele; um amigo de 67 anos (menos 1 que o meu pai) que perdeu o pai há quase 30 anos e que diz que é raro o dia que não pensa nele; uma prima muito chegada que me confirmou isso mesmo e que já perdeu o pai há 17 anos. Não importa quando, é sempre cedo para se perder um pai e ao que entendo, o sentimento da perda é algo com que se aprende a lidar. Estou apenas no princípio dessa aprendizagem, mas lá chegarei.

As palavras da minha irmã também me confortam, sempre, e muito. Foi ela que notou que o nosso pai tinha 41 anos quando perdeu o pai dele e que nós estamos apenas à distância de um ano (para cima e para baixo)... enfrentamos pois esta situação todos com a mesma idade. Foram ainda as sábias palavras da minha irmã que me fizeram esta manhã olhar para uma borboleta azul e pensar: vejo-te nas coisas bonitas, pai!

5 comentários:

ana rita disse...

... <3
(é o equivalente de um abraço prolongado, sem palavras)

Atlantico Central disse...

Gosto de acreditar que algumas das suas qualidades ficaram em nós e que, portanto,somos porta estandarte para um mundo melhor. Assim, e de cada vez que contribuirmos para que isso aconteça é nele que vou pensar e acho que até conseguirei sentir uma festa desajeitada sobre a minha cabeça.
Beijo

Atlantico Ocidental disse...

:-)

Anónimo disse...

Querida Cláudia
Como me revejo em toda a tua crónica.
Não te vou dizer que com o passar do tempo é mais fácil, porque não é. Mas depois da existência, “fazer falta alguém” é sinónimo para mim de que foram capazes de provocar noutros seres a capacidade de amar e serem amados e não podiam deixar melhor marca.
Como diria Saramago “O que extingue a vida e os seus sinais, não é a morte, mas o esquecimento. A diferença entre morte e vida é essa.” Por isso eles vão continuar vivos sempre que recordarmos todos os momentos que com eles passámos, sempre que recordarmos o que os fazia felizes, jeitos e trejeitos, sempre que invadirem os nossos sonhos, que colocarem no nosso caminho algo que os faça recordar.
Um abraço muito apertado, um grande beijinho e sempre que precisares estarei disponível
Elvira

Unknown disse...

Saudosa e valente Cláudia,
Obr pela partilha da tua crónica, cujas sentidas palavras ajudam, a outros/as, a traçar o "caminho", o qual se espera, mais tarde (ou, quem sabe, mais cedo), trilhar, mediante eventuais sobressaltos imprevistos...
Acredito que por mais desenganos que existam, nunca se está à espera do "Momento D", por isso, encarar o inevitável é um processo moroso - 1º negar, 2º aceitar, 3º reagir...
Alguém disse que "Só morremos, quando já ninguém se recordar de nós" e, de facto, tal como a "borboleta azul" que viste, muitas outras irão surgir no teu horizonte, permitindo, assim, continuar a recordar.
Bjs e continuação de muita Força!!!
SP