Há dias numa conferência de grande dimensão...
A sala estava cheia o que é pouco comum numa conferência com mais de trinta sessões simultâneas. As poucas cadeiras vagas não estavam directamente acessíveis, obrigando a passar na frente do apresentador ou de pedir a outras pessoas para se levantarem. Entrou atrasado e parou ali perto de olhos postos a audiência para ver onde poderia caber. Fiz contacto visual e perguntei gestualmente se estaria interessado no lugar ao meu lado. Anuiu com um sorriso agradecido e lá me levantei para o deixar passar.
É pena que a transferência de inteligência não se dê por osmose, porque desta forma passei quase duas horas sentada ao lado de um recente prémio nobel. Havia quatro apresentações (de meia hora cada) e a segunda foi de longe a mais interessante de todas, mas também a mais louca coisa do género a que alguma vez assisti. Ora meia hora é um tempo significativamente menor que o tempo de um seminário comum (hora e meia) pelo que a apresentação de qualquer trabalho não pode ser muito detalhada. Este orador não estava convencido disso.
Não trazia slides. À moda antiga pegou no giz (que se partiu vezes seguidas devido ao violento processo de rapidez e força que imprimia à escrita) e escreveu, escreveu, escreveu como se não houvesse amanhã... tudo ao mesmo tempo que falava freneticamente enunciando teoremas e virando a cabeça para trás de cinco em cinco segundos quando perguntava para a audiência sim? para saber se estavam a seguir o raciocínio. Era assim uma coisa surreal, parecia um autómato em passo acelerado: escrevia, apagava e falava aceleradamente, enquanto corria de um lado para o outro da sala para cobrir o quadro de fórmulas e tabelas sem fim. Toda a gente olhava incrédula para o que se estava a passar, menos o senhor que estava ao meu lado que animadamente respondia baixinho sim! e acenava com a cabeça em conformidade. Quando o outro, sem parar de escrever, virava a cabeça para trás num quarto de segundo, este levantava o polegar bem alto em sinal de afirmação, mas claro que o outro já tinha virado a cabeça para frente enquanto continuava a falar e a escrever aceleradamente.
Quando este tinha alguma dúvida cogitava com os seus botões e dava-se a um interessante diálogo de si para consigo. Via-se claramente que um lado do cérebro fazia uma pergunta e o outro lado respondia. Tudo isto numa linguagem ininteligível, todavia audível embora apenas para quem estivesse ali ao lado.
O esforço do orador naquela meia hora não é humanamente possível... a camisa roxa escura ficou compreensivelmente preta no final da apresentação... quase pingava! Ou o rapaz tomou 10 cafés antes da sessão, ou tomou qualquer outra coisa para conseguir debitar aquele material em tão curto espaço de tempo.
Os outros oradores fizeram apresentações com slides e a passo normal... o senhor do lado cabeceava de sono, afinal a sessão sempre era depois do almoço. Em vez de tentar esconder a distracção e concentrar-se olhando para os slides, apenas levantava ligeiramente a cabeça e continuava a ler o paper que tinha à sua frente... de quando em vez substituía-o por outros que tirava de dentro da sua mochila. Se calhar não estava a dormir, mas apenas a meditar na leitura. Sabe-se lá como estas cabeças nobélicas funcionam...
Em relação ao orador nada mais a dizer, mas no final dessas duas horas dei comigo a pensar que as reacções estranhas do senhor do lado (falar sozinho, dormitar no seminário, acordar e ler outra coisa que mais lhe interesse) chocar-me-iam mais há uns anos atrás quando nada disto era normal... agora ainda não o é completamente, mas também já não é anormal.