13 janeiro, 2007

Espantos # 16


Confesso que ler Zita Seabra, recordando a sua história, as causas que defendeu, porque lutou e que o sistema então vigente se encarregou de punir, ainda me causa alguns engulhos. Não pelos aspectos que referi, outros houve que ficarão na história pelos mesmos motivos, nem sequer pela dissidência do PCP, que não é caso único, mas pelo posicionamento politico que de há uns anos a esta parte causa arrepios da ala esquerda à ala direita do espectro politico nacional.

Talvez seja uma atitude de coragem, talvez.

O que ponho em causa não é o questionamento dos dogmas que defendeu no PCP, isso é saudável e inteligente, afinal os tempos vieram demonstrar que os regimes que então defendia não encerravam o idílio que se tomava por certo, mas tão só o dar publicamente a cara, cara e corpo que outrora deu a outros ideiais, por uma direita que sempre combateu.

Viu a luz? Certamente que sim, mas veria com bom grado menos esta bandeira erguida pela direita.

Tudo isto a propósito da entrevista que deu ao Expresso, este fim-de-semana que, deixando de lado os engulhos causados, tem passagens interessantes que vale a pena ler.
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Depois de 20 anos em entrega total a uma causa, o que se segue é uma libertação ou sabe a pouco?
Não posso negar que ficou um vazio quando de repente tive de refazer a minha vida. Mas é mais fácil a pessoa adaptar-se à vida normal do que a uma vida de exclusividade politica. Sobretudo nas condições duras do regime anterior ao 25 de Abril. É difícil passar à clandestinidade (eu tinha 17) anos, largar a família, os amigos, passar fome, largar tudo em nome de um ideal que se tem.

Foi um tempo perdido?
Não. E gosto muito de não ter desistido. Felizmente que fomos derrotados, também digo isso, mas eu teria tido muita pena de ter passado pela minha geração sem dar por isso. (...) Mesmo com os erros que cometemos, vivo bem com o meu passado.

Não se arrepende de nada?
Tenho pena de não ter percebido mais cedo que estava enganada.

(...)

Antes de sair, consta que era uma ortodoxa do pior que havia.
Enquanto comunista fui uma verdadeira bolchevique.

Qual foi o clique que a fez saltar?
Não há um clique, há vários. Começa-se por querer o voto secreto, contesta-se o centralismo democrático, depois vai-se por aí e percebe-se que é toda a ideologia que está errada. Aquela ideologia deu aquele resultado em todo o lado. E aí deixa-se de ser comunista.
(...)

Se calhar ficaram-lhe os tiques.
Ficou-me a disciplina e a capacidade de organização. Foi uma boa escola e acho que muito do que sou na vida profissional devo-o a essa formação de rigor. (...)

Gostava de editar Saramago?
Do ponto de vista comercial, sim. Mas a relação editor-autor seria impossível. O Saramago é um comunista e um comunista não fala a um dissidente. Eles nunca me perdoaram e eu também não.
(...)

Como é que vê hoje o PCP?
É um dinossauro. Resume-se a defender os trabalhadores da administração pública, sem dar resposta ao que os jovens hoje procuram no mercado de trabalho. Tudo completamente antigo.

E o BE?
O BE é um partido de Peter Pans, que erguem bandeiras de há 20 anos.
(...)

O que é que sentiu no dia em que Cunhal morreu?
Álvaro Cunhal foi o politico que mais me marcou e o dia da sua morte não me foi nada indiferente. Nesse dia, eu quis ir à RTP para dizer a mim própria: este passado também é meu. O Trotsky foi apagado da fotografia com o Lenine e há uma frase célebre dos dissidentes russos que dizia: o futuro é seguro, certo e científico, e o passado a Deus pertence. Eu não queria ser o Trotsky que desapareceu da fotografia. Quando saí do PCP ele disse-me: “Nunca mais vais ser nada na vida.” E eu respondi-lhe: “Espero que ainda vivas os anos suficientes para perceberes o que vai acontecer.” E ele viveu o suficiente para perceber o que aconteceu ao comunismo.

O que gosta de fazer, por detrás de toda essa disciplina?
Gosto muito de viajar, para sítios mais civilizados do que nós. Era incapaz de fazer férias em sítios de ditadura. Sou incapaz de ir a Cuba ou Irão, ou à União Soviética porque, lá está, pesa-me na consciência. (...)”

1 comentário:

Atlantico Ocidental disse...

ooops... as duas ultimas soam pior que estaladas na cara!!