Tudo lhe correra mal na vida, confessava a mãe, a quimera de ter descoberto o sentido da história, de o ter agarrado como um boneco de trapos manipulado pelos desejos dos homens, de ter concebido uma sociedade finalmente se endireitaria, vencendo os aleijões, a justiça prevaleceria e o bem seria universal, a utopia de ter querido mudar os comportamentos bestíforos do homem, transformar este em santo de rectidão ética, findar com a divisão entre pobres e ricos, exploradores e explorados, criar um homem novo, socialmente virgem, politicamente recto, moralmente impoluto, mais virado para o outro do que para si, ah, meu filho, dizia a mãe, entre lágrimas, se eu soubesse o que sei hoje, sobretudo depois de ter tomado conhecimento da traição do teu pai, ah, que se lixasse o homem novo e o homem velho, do homem só quereria... e mais não disse, mas eu percebi, nunca se teria casado, experimentaria o sexo que desejaria experimentar, viajaria por onde quereria viajar, não desperdiçaria o dinheiro herdado na compra de uma casa maior do que as necessidades numa zona fina de Lisboa, não passaria a maior parte da semana a aturar os filhos dos outros, a tentar goradamente inocular-lhes o bichinho da história e das suas lições, viveria o presente todos os dias diferentes, todos os dias extraordinários, até que pudesse chamar felicidade à abundância de gozo e satisfação.
12 julho, 2018
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