{Cadáveres às Costas de Miguel Real destaca-se pela míriade de temas que compõem o romance e pelas descrições precisas das personagens que quase se conseguem ver}
Martim, 35 anos, vivera a juventude obcecado pela gordura monumental que ostentava, uma gordura oca, não efeito de abundante comida, mas de deficiência glandular, sentia o corpo como uma barrica artificial envolvendo-lhe o esqueleto, completara o 12º ano nos jesuítas aos 20 anos, depois de uma bateria de explicadores que, durante dois anos, frequentaram a saleta do segundo andar todas as manhãs, forçando-o a repetir continuamente as respostas aos 40 a 50 formulários de exames modelo publicados pelas editoras escolares. Nem o pai nem a mãe articularam a hipótese de o primogénito se inscrever numa faculdade, mesmo privada, nem mesmo numa dirigida por um juiz, velho amigo da familia, que ainda alvitrou a hipótese de o "rapaz" frequentar um daqueles cursos de papel, Comunicação ou Relações Públicas, "tira-se com uma perna às costas", e piscou-lhe o olho querendo dizer que lhe facilitaria as provas de frequência e do exame. Mas Martim, de cara amarrotada, bocejando, perguntou se tinha de lá ir, às aulas; (...) Martim achava aquilo uma maçada, ainda por cima não lhe serviria para nada, não queria ser jornalista, relações públicas não sabia (...). O pai, que estudara em Coimbra e se vira forçado à memorização de sebentas anquilosadas, rematou, vês é Lisboa, não tem nada a ver com Coimbra, e depois tratam-te por doutor, oh, pai, isso foi chão que deu uvas, qualquer badameco hoje tira um curso e eu não quero ser um badameco qualquer, há tantos a trabalhar nas caixas de supermercado.
Foi então que d. Mafalda, (...), se lembrou de que Martim, com aquele jeito de falar, aquela lábia, dizia ela, bem podia ser deputado. Foi como se caísse ouro do céu sobre a cabeça do jovenzinho Martim. (...) sim, deputado sim, parecia-lhe bem, teria exposição pública, prestigio privado, só era pena o que diziam dos deputados, ganhavam mal, mas, enfim, não se podia querer tudo.
Foi então que d. Mafalda, (...), se lembrou de que Martim, com aquele jeito de falar, aquela lábia, dizia ela, bem podia ser deputado. Foi como se caísse ouro do céu sobre a cabeça do jovenzinho Martim. (...) sim, deputado sim, parecia-lhe bem, teria exposição pública, prestigio privado, só era pena o que diziam dos deputados, ganhavam mal, mas, enfim, não se podia querer tudo.
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