18 abril, 2016

Palavras lidas #274

No rescaldo da votação (pelas mais diversas razões) de ontem no congresso brasileiro, fica a crónica de Ricardo Araújo Pereira na Visão a 31 de Março com poucas razões para celebrações seja a destituição para valer ou reverter.
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Corrupição: manuau dji instruçõess


Os brasileiros sabem que quem governou, governa e governará é suspeito de ter cometido ilegalidades. Na polícia brasileira, currículo diz-se "cadastro"

A presidente é acusada de manipular as contas do Estado. O ex-presidente é acusado de branqueamento de capitais. O candidato derrotado na corrida à presidência é acusado de ter recebido luvas. O presidente do parlamento é acusado de ter cinco milhões não declarados na Suíça. Encabeça a comissão que avalia a destituição da presidente ao mesmo tempo que corre contra si mesmo um processo de destituição. E têm nomes como Dilma, Lula, Aécio, Delcídio. Um dos juízes do caso chama-se Itagiba Catta Preta Neto. O mais estranho no meio disto tudo é o Brasil ser o país do carnaval. O carnaval é um breve momento de loucura isolado no meio do quotidiano sério. Para desenjoar da austeridade do mundo, há uma semana em que tudo fica às avessas. Ora, no Brasil, a regra é estar tudo às avessas. O carnaval é redundante. O Brasil devia ser o país da Quaresma.

Resumindo: o antigo presidente, a actual presidente e o hipotético futuro presidente são investigados pela justiça. Os brasileiros sabem que quem governou, governa e governará é suspeito de ter cometido ilegalidades. Na política brasileira, currículo diz-se "cadastro".

Entretanto, para fugir à justiça, o antigo presidente aceitou o cargo de ministro. Finalmente, um bom exemplo. Os ministros são muitas vezes criticados por irem para o governo com o objectivo de melhorarem a sua própria qualidade de vida. Lula aceita ser ministro para evitar que lhe ofereçam uma morada gratuita, com serviço de dormida e três refeições por dia. Uma lição de abnegação.

Enquanto decorre a luta entre os corruptos que governam e os que desejam governar, os brasileiros interrogam-se acerca da razão pela qual o seu país é o que é. Sem querer ofender o povo irmão, creio que o que se passa é o seguinte: eles são mais ou menos iguais a nós.

Demos novos mundos ao mundo e novas vigarices à vigarice. Nunca fui capaz de verificar esta história, mas dizem que "pimenta", na Índia, se diz "putpari" porque um navegador português terá recorrido a uma expressão que produz um som muito semelhante na primeira vez que provou a especiaria. É um lindo vocábulo que teremos deixado aos indianos, e eles souberam afeiçoá-lo ao seu gosto. No Brasil, deixámos alguma malandragem, e eles desenvolveram-na admiravelmente. Talvez mais ninguém consiga percebê-lo, mas nós sabemos reconhecer vigarice portuguesa. O que se passa é que o Brasil é um Portugal aditivado. Nós somos 10 milhões, eles são 200. O leitor que faça as contas. Sabe o que é viver em Portugal. Agora multiplique por 20. Assustador, não é?

Talvez seja mesmo caso para dizer putpari.

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