21 março, 2012

Palavras lidas #184


(...) Nesta altura já um grupo de reais candidatos ao título olímpico se destacara no terreno, e o nosso idolatrado campioníssimo não se encontrava entre eles. Lancei a minha tirada filosófica favorita:
– Bem, não se pode ganhar sempre.
Estava‑se já no trigésimo terceiro quilómetro. Só mais nove mil duzentos e cinquenta metros e ter‑se‑ia um vencedor.
– Aposto que é o matulão australiano – desafiou Larry, antes de sair.
Olhei com mais atenção para o ecrã. Ao lado de Rob de Castella, colado a ele que nem uma lapa, ia um pequenitates, com um ar fresquíssimo da silva, ao contrário dos outros, que já arfavam sangue. Mais atrás vinha o campeão japonês Taka Takata, outro dos potenciais medalhas de ouro. Apostei nele os meus dois dólares, partindo do princípio de que o material oriental era de mais confiança. Quando, dez minutos mais tarde, ouvi a chave rodar na fechadura, gritei:
– Laaaaarrrryyyyyyy!!! Anda cá ver, depressa!
Larry quase arrombou a porta, iludidamente eufórico:
– O que foi? O Salazar recuperou?
Sacudi a cabeça, com excitação.
– Não, pá. É completamente inesperado. Olha‑me para aquilo!
E Larry olhou. E o que viu estarreceu‑o. Um sujeitinho moreno, magrinho (o pequenitates de há bocado), corria veloz e isoladamente na frente, com a naturalidade de quem estava a fazer o seu sprint matinal, pernas para que vos quero. Um plano de helicóptero mostrou que ia a mais de trezentos metros de distância dos segundo e terceiro classificados, um irlandês e um inglês que seguiam lado a lado em renhida luta. No ecrã surgiu uma legenda dizendo:

CARLOS LOPEZ
Por

– Por. O que é que é Por? – rosnou Larry, aborrecido.
– Sei lá – disse eu. E alvitrei: – Puerto Rico?
– Não, bimbo. Se não seria Puer, de Puerto.
– Então não faço ideia…
A corrida já estava indubitavelmente ganha, o ritmo a que o pigmeu corria não deixava margem para dúvidas.

Então, miraculosamente, o locutor começou a fazer o historial de vida daquele que ia ser o vencedor da maratona olímpica 1984, saciando assim a nossa natural curiosidade.
– Quer dizer, portanto, que o homem é de Portugal…
– Onde é que fica Portugal?
«[…] Pequeno país vizinho da Espanha, situado na Península Ibérica…»
– Espanha? – exclamou Larry. – Então é Europa!

pp. 26-28
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Quem não se lembra onde estava quando o Carlos Lopes ganhou a medalha d'ouro?

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