Em duas ou três vezes que tomou, para descer, nestas semanas, aquele caminho, Raimundo Silva não encontrou o cão, e pensou que, cansado de esperar da avareza dos vizinhos a ração vital mínima, ele teria emigrado para paragens mais abundantes de restos, ou então acabara-se-lhe simplesmente a vida por ter esperado demasiado. Lembrou-se do seu gesto de caridade e disse consigo mesmo que bem o poderia ter repetido, mas isto de cães, sabe-se como é, vivem com a ideia fixa de ter um dono, dar-lhes confiança e pão é tê-los à perna para sempre, ficam a olhar para nós com aquela ansiedade neurótica e não há outro remédio que pôr-lhes coleira, pagar a licença e metê-los em casa.
José Saramago, História do Cerco de Lisboa, p. 272
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