23 outubro, 2008

Memórias #27


Foi em Agosto de 1989 que ganhei aversão a vacinas, colheitas de sangue, e tudo o que fosse relacionado com seringas. Nunca fui piegas com dor (com 7 anos queimei-me num ferro de soldar sem dar por isso), mas um episódio desagradável pode às vezes ter consequências marcantes.

Naquele verão, com 12 anos, fui com a minha irmã ao centro de saúde apanhar duas vacinas em atraso, uma por via oral e outra com a tradicional seringa. Tudo correu bem, até olhei para a seringa e nem me fez impressão. Diga-se aliás que nunca até então me tinha feito impressão.

Ao saír do consultório a coisa complicou-se. Não sei se foi o barulho, se a luz intensa, se o calor, se a quantidade de pessoas lá fora, mas a verdade é que deixei de ver e perdi os sentidos. Diz a minha irmã, que a perda não deve ter sido total pois parece que apesar de ter caído ao chão, me tentei levantar várias vezes, embora sem sucesso. Claro que eu não me lembro de nada. O que me lembro, e bem, é de acordar novamente dentro do consultório, deitada numa marquesa, com uma enfermeira, que nada abona à nobre profissão, a acordar-me com violentos abanões e estaladas na cara, ao mesmo tempo que gritava "esta gente que tem problemas e não diz nada, vai lá para fora fazer figuras tristes e depois cá dentro ainda nos dá mais trabalho."

Desde então desenvolvi uma aversão a actividades relacionadas com seringas: vacinas só mesmo obrigada, se tiver mesmo de ser e é preciso ser empurrada; tirar sangue só a ferros; dentista até pode ser, mas sem anestesia se faz favor... como digo não é bem a dor que me faz impressão; e dar sangue (actividade que bastante admiro) não posso porque não tenho peso suficiente.

Já lá vão quase vinte anos que vivo assim. Dia antes de tirar sangue ou fazer vacinas é para esquecer... fico alterada. No próprio dia já não estou em mim. Depois do facto fico com uma dor inexplicável no braço, que até ter o movimento normal leva mais de uma semana. Certas alturas até já me aconteceu estar a ouvir uma conversa de outras pessoas acerca de operações, pontos, ou outras coisas parecidas, e ter de me sentar com a cabeça junto aos pés por sensação de desmaio. Não é nada bonito, mas que querem... é mais forte que eu.

Não é a dor da picada (que não dói), nem o medo da enfermeira (já não tenho 12 anos e felizmente, como aquela tonta não deve haver muitas)... o que é certo é que me dá uma sensação de desmaio tal e uma falta de ar que só podem ser psicológicos uma vez que nada têm a ver com a actividade em questão. E dar a volta à mente não é fácil.

Isto tudo a propósito da vacina da gripe que fui apanhar hoje. Pois! Eu HOJE fui, voluntariamente e pelo meu pé, apanhar uma vacina facultativa. É que nem caibo em mim!

Está bem, eu explico. Por aqui encoraja-se bastante esta vacina. A universidade coloca vários postos por todo o campus, de forma a facilitar a vida às pessoas que queiram ser vacinadas. Há sinais por todo o lado, recebem-se emails a toda a hora e terminam sempre com a frase "Take the time to take care of yourself." É um corrente tema de conversa, por exemplo, à hora de almoço:

- então vais ao seminário hoje à tarde?
- eh pá não posso, tenho de ir apanhar a vacina da gripe.
- ah sim? E onde é que vais?
- é ali ao pé do Buttrick hall.

É claro que eu não entro em tal tipo de conversa com pessoas que tomam a vacina da gripe há anos (porque os alunos andam sempre doentes, porque se lida com imensa gente diariamente que pode passar o virus, e porque se eu fico doente quem é que dá as minhas aulas, e o tempo que eu vou perder, etc)... não quero agora estar a explicar a história da minha vida. A verdade é que vai moendo. Ontem recebi mais um email acerca de novos locais e datas de administração da vacina. Neste então a cantilena era ainda mais premente:

Today and tomorrow, October 22 and 23, from 9:00 a.m. until 4:00 p.m. you can wander over to Buttrick Hall Terrace on on your way to teach or have lunch and get your free flu shot. (...) Please bring your --- ID and your personalized consent form. No personalized form…no problem. Come anyway. New to Flu Vaccine? Join the First Timers Club and get a prize.

Já nem os podia ouvir... é pior que buzina! E hoje pelas 11.30, deu-me um impulso que me levantei da cadeira fechei a porta e lá fui para o Butrick Hall... o pior é ter tempo para pensar no que vai acontecer, se for de impulso a coisa vai! Tinham uma tenda cá fora. Não havia fila. A senhora à entrada, muito simpática, pediu para eu preencher um papel com o nome, o departamento, a data de nascimento e se tinha alergia a ovos, ou se tinha doenças neurológicas. E pronto, dei o papel áquela senhora enfermeira que descarta a seringa. Enquanto puxava a manga para cima só lhe disse que não podia olhar, ao que ela respondeu com certeza! (sure hon). E pronto lá apanhei a dita da vacina enquanto respirava fundo. Colocou o algodão e o penso rápido e disse "you're all set hon." À saída da tenda estava um rapaz que me deu uma barra energética e me agradeceu ter vindo dizendo "thanks for taking the time to take care of yourself, have a great day!"

E pronto, correu tudo bem. A ver vamos se o problema ficou resolvido :)

3 comentários:

Atlantico Ocidental disse...

esperemos que sim :)

Unknown disse...

Os Zagalos já foram apanhar as ditas vacinas da gripe que isto no Colorado é muito fresquinho para os nossos hábitos. Estou muito orgulhosa de si, pela coragem com que enfrentou o bicho. Eu não tenho aversão a vacinas mas tive, durante muitos anos, um problema desses com dentistas. Os traumas de pequenino são difíceis de resolver. E, no fundo, na maior parte das vezes forma causados por médicos ou enfermeiras que eram uns animais... Beijinhos

Anónimo disse...

Ainda bem que esse medo foi superado :) Uma menina tão forte como tu, que viaja para todo o lado alone, não pode ter medo de vacinas... qual agulha, qual quê, venham elas!

É incrível quando por aí incentivam essa vacina, enquanto cá em Portugal, é preciso quase implorar... digo isto por causa da minha própria médica de família: "Dra., não acha que era melhor levar a vacina da gripe?" E responde a Dra.: "Nem pensar, estar a gastar dinheiro ao Estado por causa de um simples capricho...". Esta médica só pode ser da mesma índole da tal enfermeira que te atendeu outrora...

Em suma, lá se vai a filosofia do "Take the time to care of yourself".

SP