Explicaram-nos como funcionavam os médicos cirurgiões, por exemplo. Recebiam o seu ordenado-base e depois tinham metas para o ano seguinte, de acordo com a planificação socialista. Se tinham operado cem apendicites, tinham no ano seguinte que operar mais umas quantas para poderem ser compensados por atingirem as metas da planificação socialista. E em todas as especialidades os médicos eram avaliados assim, integrados em planos quinquenais. Na televisão vi a mesma fórmula aplicada a uma agência funerária, que, quando se aproximava o final do ano, se via obrigada a roubar os mortos à área do vizinho. Nos últimos dias do ano chegava a ser perigoso andar na rua, porque a polícia acusava qualquer transeunte de alcoolismo e prendia-o para cumprir também ela a sua meta. (...) Vi sapatarias cheias de pares de sapatos todos do mesmo número e o José Milhazes dizia-me: "Quando aparecem sapatos para o nosso número, compramos cinco ou seis pares porque nunca se sabe quantos anos depois voltaremos a ter essa sorte." Como as lojas e as fábricas eram do Estado e a economia funcionava em planos quinquenais, à direcção de uma empresa de sapatos apenas interessava cumprir um determinado objectivo de produção. Acontece que era mais rápido fazer os sapatos todos do mesmo número e variar de modelo o menos possível. Realmente, todos eles tinham sapatos iguais e que nem sempre eram do número indicado para o pé.
Págs. 426, 427
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