21 novembro, 2014

Palavras lidas #247

Das memórias mais antigas, as dos avós são talvez as mais queridas. Não estão sempre lá, mas vêm à lembrança em ocasiões tantas vezes insignificantes e fazem-nos sorrir. Hoje, tocaram-me as como minhas as lembranças de outros avós. O texto, tão bem escrito (!) merece ser reproduzido na íntegra. Aqui o link do blog de onde veio este belo post e tantos outros!
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É engraçado o tipo de coisas que nos faz lembrar das pessoas, sobretudo as que já partiram.

Quando era mais nova e passeava na baixa com a minha avó (num tempo em que isso era quase um acontecimento e não um hábito regular), chegada a altura de fazer uma pausa para um almoço ou um lanche, acabávamos sempre por parar num daqueles cafés típicos do Porto, que a mim me diziam muito pouco, mas que a minha avó conhecia desde sempre - muito antes do pitoresco estar na moda e do tradicional ser chamado gourmet.

Foi com ela que comi o meu primeiro pastel de chaves. Nunca fui de comer muito, por isso na hora de escolher, ela tentava sempre que eu pedisse muito mais do que me parecia razoável, no seu esforço desmesurado de alimentar-me e ver-me feliz.

Hoje, quando chegou a hora de almoço e me vi na baixa sozinha, entrei num desses cafés e pedi um pastel de chaves - um pastel de chaves e uma sopa, quase uma heresia para aquela criança que provou o seu pastel de chaves pela primeira vez.

Passavam por mim alguns dos mesmos empregados, fitavam-me as mesmas montras cheias e coloridas dificultando a escolha, olhava em volta os clientes habituais que se conhecem pelo nome, as garrafas de vinho tapadas com rolha à espera do prato-do-dia-seguinte, as mesmas mesas encavalitadas entre a parede de azulejos e o balcão voltado para a cozinha - as famosas mesas de plástico com padrões baratos de imitação de pedra e individuais de papel - os cestos de pão e os pratinhos com bolinhos de bacalhau, que de pequeninos têm tão pouco.

Agora há menus com fotos requintadas nas paredes e até serviço take-away de bebidas quentes com nomes estrangeiros como é moderno usar-se, mas o espírito continua o mesmo.
Pessoas entram e saem, com pressa, mas ninguém nos apressa.

Enquanto comia, não conseguia deixar de lembrar-me da minha avó, em conversas imaginárias sobre a escola, amigos ou coisas de que eu gostava. Tantas perguntas e recomendações que na altura me pareciam chatas (chatas não, que é palavra feia: aborrecidas) e às quais respondia com o encolher de ombros típico da idade, sem perceber que aquilo que parecia banal e enfadonho para mim, era para ela novidade e um simples pretexto para ouvir-me falar.

Agora, não me lembro propriamente de nenhuma dessas conversas - lembro-me apenas de estarmos à mesa, com ela a cobrir-me de mimos através do açúcar das ducheses que eu adorava - e era por isso, embora não o soubesse, mas apenas suspeitasse, na altura, que me sabiam ainda melhor.

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