22 outubro, 2010

Palavras lidas #150


-- Bem -- disse Carlos atirando o chapéu para cima da mesa --, traga-me você um cálice de conhaque, e uma pouca de água fresca. Sintra, de repente, pareceu-lhe intoleravelmente deserta e triste. Não teve ânimo de voltar ao palácio, nem quis mais sair dali; e arrancando as luvas, passeando em volta da mesa de jantar, onde murchavam os ramos da véspera, sentia um desejo desesperado de galopar para Lisboa, correr ao Hotel Central, invadir-lhe o quarto, vê-la, saciar os seus olhos nela!... Porque o que o irritava agora era não poder encontrar, na pequenez de Lisboa, onde toda a gente se acotovela, aquela mulher que ele procurava ansiosamente! Duas semanas farejara o Aterro como um cão perdido: fizera peregrinações ridículas de teatro em teatro: numa manhã de domingo percorrera as missas! E não a tornara a ver. Agora sabia-a em Sintra, voava a Sintra, e não a via também. Ela cruzava-o uma tarde, bela como uma deusa tansviada no Aterro, deixava-lhe cair na alma por acaso um dos seus olhares negros, e desaparecia, evaporava-se, como se tivesse realmente remontado ao Céu, de ora em diante invisível e sobrenatural: e ele ali ficava, com aquele olhar no coração, perturbando todo o seu ser, orientando surdamente os seus pensamentos, desejos, curiosidades, toda a sua vida interior, para uma adorável desconhecida, de quem ele nada sabia senão que era alta e loira, e que tinha uma cadelinha escocesa... Assim acontece a vida ao acaso! Elas não são de uma essência diferente, nem contêm mais luz que as outras: mas, por isso mesmo que passam fugitivamente e se esvaem, parecem despedir um fulgor mais divino, e o deslumbramento que deixam nos olhos é mais perturbador e mais longo... Ele não a tornara a ver. Outros viam-na. O Taveira vira-a. No Grémio, ouvira um alferes de lanceiros falar dela, perguntar quem era, porque a encontrava todos os dias. O alferes encontrava-a todos os dias. Ele não a via, e não sossegava...

Os Maias

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