As Sandálias
Vincenzo era um frade que vivia na montanha dentro de uma gruta e não sabia ler nem escrever. Tinha acesa uma fogueira que mascarrara de fumo as paredes todas. Com a ponta de um prego riscava as pedras por baixo da pátina preta para fazer cruzinhas que brilhavam no meio da fuligem.
A quem vinha ter com ele dizia que Deus é aquilo que nos faz estar de pé. Depois beijava duas ou três folhas secas que tinha no bolso e queimava-as; se se tratava de bichos doentes, então dava umas favas que tinha numa tigela. Bebia a água da chuva que caía dentro das latas que tinha abertas fora da porta à espera que chovesse.
Quando a sua pobre mãe lhe trouxe uma camisa de lã, ficou dois dias de olhos fechados para não lhe ver a cara e com um braço erguido para o tecto fazia-lhe sinal de que só ouvia o que está lá em cima.
Um verão viram-no caminhar descalço para o alto da montanha e dentro da gruta ainda lá estão as suas sandálias à espera dele.
Tonino Guerra (1920)
O Livro das Igrejas Abandonadas
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