Na revista do Expresso de hoje, um artigo de Hugo Franco:
"Agachados em cima de um caixote cambaleante, os dois irmãos magricelas vão unindo, com uma agulha e muita paciência, as palmilhas dos sapatos de camurça. Aprenderam mais depressa a coser do que a decorar a tabuada. Eles trabalham há várias horas, com a família, num alpendre escuro, de granito frio e madeira carcomida e onde se misturam os cheiros fétidos do estrume e do bafio.
As grossas dedeiras nem sempre os protegem do cortante fio de nylon, que lhes vai abrindo gretas e deixando cicatrizes na palma das mãos. Não é preciso ser vidente para lhes ler um futuro enegrecido... Pormenor: a cena não se passa num bairro da lata em Calcutá, ou numa província da China, mas a norte de Portugal, numa freguesia rural em Felgueiras! (...)"
Porque será que se esta realidade se passasse "num bairro da lata em Calcutá, ou numa província da China" ou mesmo num atrasado país da Europa de Leste (tipo Roménia) não ficariamos tão chocados?
"Agachados em cima de um caixote cambaleante, os dois irmãos magricelas vão unindo, com uma agulha e muita paciência, as palmilhas dos sapatos de camurça. Aprenderam mais depressa a coser do que a decorar a tabuada. Eles trabalham há várias horas, com a família, num alpendre escuro, de granito frio e madeira carcomida e onde se misturam os cheiros fétidos do estrume e do bafio.
As grossas dedeiras nem sempre os protegem do cortante fio de nylon, que lhes vai abrindo gretas e deixando cicatrizes na palma das mãos. Não é preciso ser vidente para lhes ler um futuro enegrecido... Pormenor: a cena não se passa num bairro da lata em Calcutá, ou numa província da China, mas a norte de Portugal, numa freguesia rural em Felgueiras! (...)"
Porque será que se esta realidade se passasse "num bairro da lata em Calcutá, ou numa província da China" ou mesmo num atrasado país da Europa de Leste (tipo Roménia) não ficariamos tão chocados?
5 comentários:
Talvez porque ainda temos a ideia errada de que não fazemos parte do terceio mundo...
Dizer que Portugal faz parte do terceiro mundo é ironizar acerca das duras realidades que se vivem no terceiro mundo, onde apenas uma pequena percentagem das crianças vai à escola, mais de dois terços da população vive abaixo do limiar de probreza (definido de acordo com o país), os esgotos correm para a rua mesmo nas grandes cidades, redes de transportes pura e simplesmente não existem, a esperança média de vida ronda os 40 anos de idade… a lista infelizmente continua! Bem sei que o conceito de “terceiro mundo” é relativo, mas sejam quais forem os critérios aplicados Portugal NÃO É um país de terceiro mundo.
Acho que a razão (para a questão que deixei em aberto) é outra e vai precisamente na direcção oposta: nos últimos 10-20 anos Portugal habituou-se a um nível de vida, cuja mentalidade já não tolera tais situações dentro das suas fronteiras. Por um lado, ainda bem que assim é. Por outro, seria bom que a não tolerância não equivalesse a ignorância. Só colocando o dedo na ferida é que se poderão resolver os problemas graves que atacam o país.
Reconheço que é um exagero dizer que Portugal é um país de 3º mundo. Mas não acho muito diferente coser sapatos para a Zara (que condeno!!), de ir com as vacas e os rebanhos para o monte, ou apanhar batatas ou tomar conta dos irmãos mais novos ... ou andar "n" km a pé até à escola...
"cozer"
Não fazendo parte do terceiro mundo temos ainda um longo caminho a percorrer!!
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