De fato e gravata, fui infeliz no pacato escritório forrado de códigos e madeiras, cheirando a cachimbo. Odiava providências cautelares e petições inicias como um jacobino odeia padres. Sabia que não seria advogado mas treinava vagamente para essa ficção. O trabalho de escritório era calmo e entediante, nada me interessava, só a vaga esperança de um processo criminal aceitável. A vaga esperança da Boa Hora.
(...)
Lá dentro o mundo das leis parecia mais suportável, porque funcionava num jogo necessário e consentido. Regras, retórica, rituais. E pessoas. Nada de muito exaltante, mas ainda assim a possibilidade, até aí insuspeita de um rosto humano de justiça. E na minha memória de abominações jurídicas o Tribunal da Boa Hora é um parêntesis quase benigno. Tenho pena que o fechem de vez.
Pedro Mexia, Lá Fora, "Pátio das Comédias," pp. 30-31