Em mim sempre foi menor a intensidade das sensações que a intensidade da consciência delas. Sofri sempre mais com a consciência de estar sofrendo que com o sofrimento de que tinha consciência.
A vida das minhas emoções mudou-se, de origem, para as salas do pensamento, e ali vivi sempre mais amplamente o conhecimento emotivo da vida.
E como o pensamento, quando alberga a emoção, se torna mais exigente que ela, o regime de consciência, em que passei a viver o que sentia, tornava-me mais quotidiana, mais epidérmica, mais titilante a maneira como sentia.
Criei-me eco e abismo, pensando. Multipliquei-me aprofundando-me. O mais pequeno episódio -- uma alteração saindo da luz, a queda enrolada de uma folha seca, a pétala que se despega amarelecida, a voz do outro lado do muro com os passos de quem a diz juntos aos de quem a deve escutar, o portão entreaberto da quinta velha, o pátio abrindo com um arco das casas aglomeradas ao luar -- todas estas coisas, que me não pertencem, prendem-me a meditação sensível com laços de ressonância e de saudade. Em cada uma dessas sensações sou outro, renovo-me dolorosamente em cada impressão indefinida.
Vivo de impressões que me não pertencem, perdulário de renúncias, outro no modo como sou eu.
Bernardo Soares, Livro do Desassossego
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