A notícia do milagre havia chegado ao palácio do doge, mas de uma maneira bastante baralhada, resultado, desde o relato incompleto de alguma testemunha mais ou menos presencial até aos que simplesmente falaram por ouvir dizer, das transmissões sucessivas de factos verdadeiros ou supostos, ocorridos ou imaginados, pois, como demasiado sabemos, quem conta um conto não passa sem lhe acrescentar um ponto, e às vezes uma vírgula. (p. 197)
Que bonita é a neve vista por trás da vidraça, disse ingenuamente a arquiduquesa maria ao arquiduque maximiliano, seu marido, mas lá fora, com os olhos cegados pela ventania e as botas feitas numa sopa, com as frieiras dos pés e das mãos a arderem como o fogo do inferno, é caso para perguntar aos céus que foi que fizemos nós para merecermos tal castigo. (...) Também o frio, quando nasce, é para todos, diz-se, mas nem todos apanham nos lombos com a mesma porção dele. A diferença está em viajar num coche forrado de peliças e mantas com termostato e ter de caminhar sob o açoite da neve por seu pé ou com ele enfiado num estribo gelado que oprime como um torniquete. (p. 221-2)
Cautelosamente, fritz deu a entender a solimão* que já era hora de fazer um esforço para se levantar. Não ordenou, não recorreu ao seu variado repertório de toques de bastão, uns mais agressivos que outros, apenas deu a entender, o que demonstra uma vez mais que o respeito pelos sentimentos alheios é a melhor condição para uma próspera e feliz vida de relações e afectos. É a diferença entre um categórico Levanta-te e um dubitativo E se tu te levantasses. Há mesmo quem sustente que esta segunda frase, e não a primeira, foi a que jesus realmente proferiu, prova provada de que a ressurreição, afinal, estava, sobretudo, dependente da livre vontade de lázaro e não dos poderes milagrosos, por muito sublimes que fossem, do nazareno. Se lázaro ressuscitou foi porque lhe falaram com bons modos, tão simples como isto. (p. 231)
* Solimão (Salomão) é o elefante, Fritz (Subhro) é o cornaca, ou tratador.
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