Cresci com um feriado no dia 25 de Abril que não significava mais que um dia sem aulas e paradas militares na televisão. Em pequena gostava bastante das paradas... ver os militares alinhados por cor de farda, marchando ao compasso do tambor, certinhos como se fossem um só. O fim da parada militar significava a transferência para a assembleia da republica e os enfadonhos discursos da classe política toda de cravo vermelho ao peito, que naquele dia aparecia no canto superior direito da televisão, ou numa mesa nos programas em directo, tipo telejornal. Com o passar dos anos deixei de gostar de paradas, talvez por me aperceber do que significavam paradas militares noutras partes do mundo, e o dia passou a não ser mais do que um desejado dia de descanso e sem aulas.
Prometi a mim mesma que hoje não escreveria nada a propósito do 25 de Abril. Não porque pense que a liberdade não deva ser celebrada. É-o todos os dias com as liberdades que exercitamos nas escolhas que fazemos. O que me irrita nesta cultura do 25 de Abril sempre é o aproveitamento que existiu, e existe ainda hoje, de um momento único da história recente de Portugal... falar/escrever sobre o 25 de Abril é apenas alimentar esse aproveitamento.Obviamente que Salgueiro Maia e os homens que comandou de Santarém a Lisboa, merecem o nosso eterno reconhecimento por fazerem cair o regime, embora este já tivesse ruído por dentro... por vezes tudo o que é necessário é um sopro porque sem ele nada acontece e o sofrimento continua. Agora, alguns desses que se dizem "capitães de Abril," não só não merecem o meu reconhecimento, como deveriam ser responsabilizados pelas atrocidades que cometeram tanto no próprio dia, como também no periodo pós-revolucionário quando tiraram o melhor partido de um país sem rei nem roque e de um povo que, em delírio de ser livre, subscrevia com espírito naïf acompanhado de canções e cravos, todo e qualquer que se lhe apresentasse à frente.
A factura? Essa pode ser passada às gerações futuras que com a legislação aprovada nos anos quentes de 74 a 76, vai ter dificuldade em entender sequer o que é reconhecimento de mérito. Se quiser pedalar para si (e não para os outros) terá de o fazer no estrangeiro ou então ser genial e superar as montanhas nacionais das distorções absurdas criadas na nossa constituição, no nosso código do trabalho e por aí fora.
Tudo o que podia ser aproveitado naquela última quinta feira de Abril de 1974 foi, até os cravos! Percebi finalmente o aproveitamento quando vi o filme Capitães de Abril pela primeira vez. De contentes, as floristas deram aos militares libertadores as flores que tinham para vender. Claro que deram as mais baratas... e certamente as outras todas de contentes que estavam, mas assumindo que deram apenas cravos (porque das outras flores não restam referências), deram todos os cravos que tinham de todas as cores. Por razões que a razão não desconhece, apenas o cravo vermelho sobreviveu na tradição de Abril... doentio! Se de facto a história dos cravos fosse uma celebração pura e simples da liberdade, não importaria a cor do cravo... mas não, o aproveitamento político foi de tal maneira atordoador que nada mais restou nem dos outros cravos nem das outras flores. E depois ainda se criam debates estéreis acerca de quem demonstra atitudes lúcidas relativamente a esta mania dos cravos.
Prometi a mim mesma não escrever sobre o 25 de Abril porque me revolta ver o anual e repetitivo aproveitamento de algo tão puro e simples. Quebrei a promessa, porque vi mais uma pessoa lúcida neste mar de naivité disparatada em que Portugal se encontra há 35 anos. Quebrei a promessa porque há coisas cuja repetição não cansa. Quebrei a promessa porque o post anterior merece ser posto no contexto: o discurso de Teresa Caeiro à assembleia é uma chamada de atenção para o estado actual de coisas (nada de novo, todos são), mas é um apontar do dedo aos responsáveis pelo triste estado de país que temos... os mesmos que enchem o peito nos dias 25 de Abril para nos dizer a nós que sem eles nada seriamos. Cínicos! Quem vos não conheça que vos compre... eu não tenho intenção de tal!
Prometi a mim mesma que hoje não escreveria nada a propósito do 25 de Abril. Não porque pense que a liberdade não deva ser celebrada. É-o todos os dias com as liberdades que exercitamos nas escolhas que fazemos. O que me irrita nesta cultura do 25 de Abril sempre é o aproveitamento que existiu, e existe ainda hoje, de um momento único da história recente de Portugal... falar/escrever sobre o 25 de Abril é apenas alimentar esse aproveitamento.Obviamente que Salgueiro Maia e os homens que comandou de Santarém a Lisboa, merecem o nosso eterno reconhecimento por fazerem cair o regime, embora este já tivesse ruído por dentro... por vezes tudo o que é necessário é um sopro porque sem ele nada acontece e o sofrimento continua. Agora, alguns desses que se dizem "capitães de Abril," não só não merecem o meu reconhecimento, como deveriam ser responsabilizados pelas atrocidades que cometeram tanto no próprio dia, como também no periodo pós-revolucionário quando tiraram o melhor partido de um país sem rei nem roque e de um povo que, em delírio de ser livre, subscrevia com espírito naïf acompanhado de canções e cravos, todo e qualquer que se lhe apresentasse à frente.
A factura? Essa pode ser passada às gerações futuras que com a legislação aprovada nos anos quentes de 74 a 76, vai ter dificuldade em entender sequer o que é reconhecimento de mérito. Se quiser pedalar para si (e não para os outros) terá de o fazer no estrangeiro ou então ser genial e superar as montanhas nacionais das distorções absurdas criadas na nossa constituição, no nosso código do trabalho e por aí fora.
Tudo o que podia ser aproveitado naquela última quinta feira de Abril de 1974 foi, até os cravos! Percebi finalmente o aproveitamento quando vi o filme Capitães de Abril pela primeira vez. De contentes, as floristas deram aos militares libertadores as flores que tinham para vender. Claro que deram as mais baratas... e certamente as outras todas de contentes que estavam, mas assumindo que deram apenas cravos (porque das outras flores não restam referências), deram todos os cravos que tinham de todas as cores. Por razões que a razão não desconhece, apenas o cravo vermelho sobreviveu na tradição de Abril... doentio! Se de facto a história dos cravos fosse uma celebração pura e simples da liberdade, não importaria a cor do cravo... mas não, o aproveitamento político foi de tal maneira atordoador que nada mais restou nem dos outros cravos nem das outras flores. E depois ainda se criam debates estéreis acerca de quem demonstra atitudes lúcidas relativamente a esta mania dos cravos.
Prometi a mim mesma não escrever sobre o 25 de Abril porque me revolta ver o anual e repetitivo aproveitamento de algo tão puro e simples. Quebrei a promessa, porque vi mais uma pessoa lúcida neste mar de naivité disparatada em que Portugal se encontra há 35 anos. Quebrei a promessa porque há coisas cuja repetição não cansa. Quebrei a promessa porque o post anterior merece ser posto no contexto: o discurso de Teresa Caeiro à assembleia é uma chamada de atenção para o estado actual de coisas (nada de novo, todos são), mas é um apontar do dedo aos responsáveis pelo triste estado de país que temos... os mesmos que enchem o peito nos dias 25 de Abril para nos dizer a nós que sem eles nada seriamos. Cínicos! Quem vos não conheça que vos compre... eu não tenho intenção de tal!
Fica apenas um excerto do discurso de Caeiro, que merece ser lido na íntegra aqui.
(...) Faço parte de uma geração que nasceu com a liberdade. Uma geração que deve ao 25 de Abril - e ao 25 de Novembro - a liberdade de pensar, participar e discordar. Uma geração que reconhece esse tributo com gosto e naturalidade.
Justamente porque encaramos o 25 de Abril com naturalidade, não fazemos vénias aos que se consideram proprietários do 25 de Abril, nem reconhecemos autoridade aos que manipulam e distribuem certificados de correcção” revolucionária” a todos os demais.
Há, em Portugal, quem faça de uma certa visão do 25 de Abril, uma carreira ou até, um modo de vida. A geração a que eu pertenço, dispensa tutelas e está mais preocupada com o estado a que Portugal chegou. Ou seja, com o facto de Portugal não se ter desenvolvido como podia e devia. (...)
(...) Faço parte de uma geração que nasceu com a liberdade. Uma geração que deve ao 25 de Abril - e ao 25 de Novembro - a liberdade de pensar, participar e discordar. Uma geração que reconhece esse tributo com gosto e naturalidade.
Justamente porque encaramos o 25 de Abril com naturalidade, não fazemos vénias aos que se consideram proprietários do 25 de Abril, nem reconhecemos autoridade aos que manipulam e distribuem certificados de correcção” revolucionária” a todos os demais.
Há, em Portugal, quem faça de uma certa visão do 25 de Abril, uma carreira ou até, um modo de vida. A geração a que eu pertenço, dispensa tutelas e está mais preocupada com o estado a que Portugal chegou. Ou seja, com o facto de Portugal não se ter desenvolvido como podia e devia. (...)
1 comentário:
O sopro foi essencial... temo que nem todos os que sopraram sejam hoje "reconhecidos" como aqueles que, tendo sido reconhecidos, não sopraram
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